Tema
“Sopa Fria” é um filme de animação que nos leva para o tema da violência doméstica, através do uso de uma primeira pessoa ficcional. Inspirado num casal verdadeiro, a história foi primeiramente adaptada à banda desenhada por Joana Estrela.
Técnicas e função narrativa
Embora a narração estabeleça pontualmente ligações com as ações, na esmagadora maioria das vezes estas (ações) são complementares da narração e não a sua representação literal. Assim sendo, paralelamente à
narração o filme tem mais dois níveis de leitura. Um que é comunicado através do desenho, associado às ações
centradas no dia-a-dia da protagonista ou à forma como ela interpreta o que lhe acontece.
O outro nível será constituído por “found footage”, fotografias ou outras imagens, que tanto podem ser um cenário ou espaço físico onde a narrativa tem lugar, como funcionar como metáforas, símbolos ou outras figuras de estilo visuais e narrativas.
Os mundos interiores
Há um certo receio das vítimas em verbalizar ou reagir. Porque quando o fazem podem ser novamente agredidas, ou por medo de ver os seus sentimentos ou a sua situação tratados com indiferença. No filme iremos aceder aos sentimentos da protagonista não só através de gestos ou reações, mas também fazendo-a habitar em mundos visuais (grafismos, fotografias ou found footage) e sonoros que sejam capaz de exprimir, por exemplo, raiva, tristeza, medo ou insegurança.
O espaço físico e a protagonista
Pensei na Casa como uma personagem, e não apenas um décor ou elemento de localização espacial, que age e se transforma conforme as situações. Se a intenção é mostrar que a protagonista está em perigo a casa é um lugar hostil; se é mostrar que há opressão a Casa reage, fechando-se sobre a mulher, isolando-a ou limitando-lhe os movimentos. Para além de ser uma extensão (da natureza violenta) do marido, a Casa “age com naturalidade” na presença dos outros. Voltando ao normal ou mantendo-se normal quando o casal está acompanhado (com os filhos, por exemplo), de forma a dar a entender que “quem está dentro do convento é que sabe o que vai lá dentro”.
Metáfora líquida
A Água é o outro elemento (para além da Casa) que serve os propósitos do agressor. No início do filme surge associada ao casamento e aos ciclos de violência. É um elemento opressivo, que dificulta a vida à protagonista e a coloca em situações de stress. E do qual ela procura livrar-se, escondendo-se e submetendo-se a um processo de deformação.
Música
A sonoridade do filme deverá ter um carácter experimental e abstrato, onde a voz será usada em alguns momentos como instrumento principal, que se sobrepõe a todos os outros.
A ideia é criar uma continuidade entre o discurso narrado e a banda sonora, através do uso do mesmo objecto musical, com funções distintas e em momentos diferentes. Por um lado, é o instrumento portador de um discurso ou de uma história: a voz que narra os eventos. E ao cumprir esta função deve ser naturalista e evitar os excessos ou dramatismos. Por outro lado, é o instrumento em torno da qual se constrói uma composição musical, capaz de evocar sentimentos ou conceber ambientes que estejam associados à narrativa ou que não existindo nela a possam completar.
É na cena em que a protagonista encontra refúgio num espaço informe e negro, que o recurso à voz como instrumento estará mais presente. As várias vozes abstractas combinam-se na criação de uma irmandade sonora, remanescente dos cantares tradicionais portugueses que se usavam em rituais, festas ou no trabalho.
Como exemplos deste tipo de composição musical remeto para o trabalho da norte americana Meredith Monk, e para as experiências do colectivo Hysteria, intituladas “Speech Organ” que podem ouvir aqui.