“Cheshire Puss, would you tell me, please, which way I ought to go from here?” said Alice. “That depends a good deal on where you want to get to,” said the Cat.
Lewis Caroll, Alice in Wonderland (1865)
O road movie é um género recorrente, servindo narrativas que indiciam uma de duas trajetórias (ou ambas): ou os protagonistas estão num processo urgente de fuga, ou respondem ao impulso de partir em busca de respostas. Ou os dois.
Nesta pequena trama, um casal de personagens-autores, cuja relação parece apresentar algum desgaste, refletem livremente sobre o processo criativo que querem aplicar ao tema do filme, definindo um guião sinuoso de um casal que empreende uma viagem para recuperar momentos e emoções passadas, num percurso em que se vão confrontando com imagens do seu passado, projeções do seu futuro, e cuja catarse é remetida para uma dimensão surreal, quedando-se no final sem resposta.
Trata-se de um filme de certo modo introspetivo, em que constrói uma certa ideia de realidade e de ilusão, evoca o processo criativo, não só para o questionar, mas também, de modo algo particular, confundir as expetativas do criador, baralhar o jogo das rotinas, dos papéis que cada personagem é levado a representar.
É um filme também sobre a busca de sentido e sobre o reconhecimento tardio de que este é fruto do acaso e do absurdo.
O filme desenrola-se a dois níveis, um supostamente “real”, no interior de uma casa onde dois personagens, Disse e Diz, escrevem e desenham um guião; e um outro nível, fruto do imaginário destes primeiros personagens, onde se desenrola uma segunda ação que também envolve dois personagens, mais jovens, Ela e Ele, que não conhecem o guião que seguem juntos numa viagem não linear.
Diz e Disse, têm concepções diferentes do guião, ele mais convencional, algo espartilhado por demasiadas referências, ela mais libertina mas incoerente também. Na procura dos personagens fictícios (Ela e Ele), essa diferença vai-se acentuando, refletindo-se no modo como são representados aqueles personagens fictícios, que só surgem bem definidos quando destacados em plano de pormenor, e se vão esfumando, como arquétipos e quase silhuetas nos planos mais abertos.
Pretende-se realizar um filme de carácter experimental, em que as duas dimensões se interpenetram e influenciam, ao ponto de nem sempre ser possível distinguir o que é “real” ou imaginário.
Ao estilo de um film noir, cuja tensão se resolve em progressivas metamorfoses que derivam num ponto de não retorno, qual percurso do anti-herói, finda a travessia num naufrágio num deserto.
Numa ordem imprecisa, revelam-se, ao longo da viagem, hesitações e medos que consomem os personagens, cada um cativo de si e da forma como lidam com a passagem do tempo e a procura de um qualquer sentido para a vida, para o amor.
Do ponto de vista plástico, pretende-se imprimir à imagem uma linha realista, mas simultaneamente “movediça”, transformando-se, a espaços, numa animação mais expressionista e abstrata.
As transições entre universos e suas interpenetrações procuram inspiração formal na tradição da pré-animação (brinquedos ópticos), bem como em exemplos de dispositivos das chamadas ilusões ou jogos ópticos.
O ambiente sonoro tem um importante papel no jogo de ilusão entre os universos em que se movimenta este filme, ora sublinhando ora em contraponto com o desenvolvimento visual da ação. A intromissão das vozes de Diz e Disse na esfera da ficção, bem como dos ambientes sonoros igualmente fictícios, introduz um distanciamento e uma dimensão múltipla necessária à unificação do conjunto do filme.
A nível musical, seguir-se-á também uma linha experimental, concreta e abstracta, não ilustrativa, introduzindo no entanto aqui e ali, ironicamente ou de maneira redundante um ou outro apontamento aparentemente mais convencional, logo quebrado pelo tom, geral do filme.