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FLUI

Nota de Intenções

A narrativa de Flui surge da tentativa de ultrapassar um trauma de perda através da formulação de ilusões sucessivas recorrentes que nos transportam para o campo do “e se”… E se alterássemos um aspecto das nossas vidas… E se tivéssemos dito algo… E se tivéssemos uma segunda chance… Quão diferente seria o destino?
Neste escape à noção linear de tempo, Flui revela a inconformidade de não se poder voltar atrás.

Apesar desta temática nos tocar de forma pessoal, o seu lastro é maior tocando todos aqueles a quem o amor e a morte inquietam. A noção do tempo que passa traz-nos a necessidade de perpetuar memórias e de compreender o que é fugaz (desde a perenidade da vida à compreensão da essência do próximo) questões que têm alavancado, desde tempos imemoriais, as mais variadas formas de arte.
Percebemos que tal temática tem, na sua essência, uma correlação com o elemento água, sobretudo ao partilhar os princípios de fluidez, transmutação, fugacidade e ciclicidade. Com isto em mente, pretendemos criar um mundo onde a realidade é transitória, nada é permanente, tudo flui, tal como a água. A metamorfose e a ambiguidade irão nortear as nossas escolhas artísticas e técnicas e o tratamento gráfico espelhará o tema do filme.

Decidimos criar uma narrativa circular que termina com um regresso ao começo: manchas fluidas de água. O final aparenta ser o início de um novo ciclo, cabendo ao espectador intuir a continuidade. Se por um lado a cena inicial do filme antecipa a tragédia, por outro a cena final restaura a esperança, abrindo-se, ou não, um novo ciclo.
Queremos, assim, quebrar as concepções mais comuns de tempo linear, construindo um tempo narrativo mutável em que os elementos da história tomam um novo rumo a cada recomeço. Como a água que flui, cada momento narrativo dará continuidade ao seguinte, sempre em constante movimento e mutação.

Note-se que a narrativa é dividida em três capítulos que iniciam no mesmo ponto, com a mesma personagem na mesma cena de ação, mas sob um ponto de vista diferente.

No desenvolvimento da narrativa, a realidade é moldada e criam-se cursos divergentes para cada uma das três personagens. No primeiro o homem perde a vida, no segundo perde também a identidade, no terceiro perde o ser (o corpo não é resgatado, mas é, paradoxalmente, recuperado ao transmutar-se no pescador). Como num “dejá vu”, alude-se ao sentido de inquietante estranheza neste regresso do familiar que se torna estranho.

A cada novo capítulo, o nosso espaço emocional vai-se afastando do homem da ponte. A cada recomeço, o enquadramento torna-se mais distante e a narrativa acentua o carácter anónimo do homem. Acontece o oposto com o pescador, gradualmente o enquadramento é mais próximo o que nos aproxima emocionalmente dele.
Do ponto de vista cinematográfico, pretendemos aproximar a linguagem gráfica dos movimentos fluidos da água, daí a escolha da aguada monocromática com recurso a tinta da china que será posteriormente tratada digitalmente.

O negro das manchas de tinta e o medium que as dilui – a água – ecoa no espaço emocional das personagens. A indefinição das formas e a fluidez característica da aguada encontra ligação na indefinição pretendida quanto ao espaço e tempo diegético. Por exemplo, a representação das personagens masculinas deixa espaço à livre interpretação das suas fisionomias. Nestes, a linha poderá ser omitida em favor da mancha, sendo as personagens mais sugeridas do que retratadas com minúcia.

Em termos de animação, a técnica a utilizar será predominantemente a rotoscopia por permitir uma exploração mais eficaz das possibilidades da mancha negra que se metamorfoseia nas diferentes realidades apresentadas.

Não é nossa intenção aprofundar aspectos melodramáticos da ação que se repete durante o filme (o acto de suicidio) ou determo-nos em pormenores sobre a vida do homem. Acreditamos que o retrato cru e simples desta cena obriga-nos a pensar e a encontrar semelhanças com a nossa própria experiência e a fugacidade da vida. Interessa-nos o que há de vago e até incompreensível no outro, por vezes em nós mesmos. Há sempre algo sombrio e velado na pessoa que vemos diante de nós e que procuramos descobrir e retratar. Mas é uma impressão fugidia e subjectiva, uma ilusão. Corresponde apenas a uma visão nossa do mundo num preciso instante. Esta incerteza, a fugacidade, a incessante procura de nos reconhecermos nos outros, e a profunda noção da nossa finitude, é o que nos motiva a desenhar e a animar, fixando instantes.

Esperamos que através deste retrato fluido, monocromático e hipnótico, consigamos criar uma viagem impressionista e sensorial onde o espectador consiga mergulhar.

FLUI
FLUI
Três ações aparentemente insignificantes e distintas desencadeiam três cursos de histórias alternativas sobre a vida e a morte de três personagens intimamente interligadas.
Porém, estes destinos fragmentados ganharão um novo sentido quando nos apercebemos que o desenlace não é mais do que um regresso ao seu curso inicial.
Realização
ANA FERNANDES, JOANA VIEIRA DA COSTA, 2017, Animação 2D Curta-metragem P&B 6′ Portugal
Idioma Original: Sem diálogo
Suporte de Exibição: 2K
Status: em Produção