MONT NOIR é um filme sobre a infância de uma menina solitária e imaginativa cujo confronto com a morte a leva a escrever. Esta criança é Marguerite Yourcenar. Mas somos nós também. Inspiramo-nos nas nossas memórias da infância no jardim, no que sentimos, nas nossas penas e nos nossos pequenos rituais. Baseamo-nos tanto em nós quanto na obra de Yourcenar para inventar essa história.
Há um forte contraste entre a doçura da infância e a dor da perda. Imaginamos um filme inquietante, que conjuga estas emoções contrárias.
« Subo pela erva alta a encosta íngreme que conduz ao terraço de Mont-Noir. Ainda não foi cortada. Mirtilos, papoilas, margaridas abundam ali.. »
(Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos)
« Pensei por muito tempo que tinha poucas memórias de infância; Quero dizer com isso, antes do sétimo ano. Mas enganei-me: acontece que até agora não lhes permiti que chegassem até mim. Ao olhar para trás, para os últimos anos em Mont-Noir, pelo menos alguns vão se tornando a pouco e pouco mais visíveis, como os objetos de quarto com as portadas fechadas onde já não nos aventuramos há muito tempo.»
(Marguerite Yourcenar, O quê? A Eternidade)
(Conversa com Bernard Pivot, Apostrophes, 1979)
REINVENTAR O REAL
Para escrever, recorremos ao universo literário de Yourcenar
– As Memórias de Adriano, A Obra Negra, Contos Orientais e, em particularmente, à sua trilogia autobiográfica, O Labirinto do Mundo. Destas fontes, extraímos imagens, gestos, sensações, inventamos uma infância que encontra eco na nossa, mergulhando fundo nas nossas memórias. Construímos a história como um crescendo de perdas, que só a força das palavras vem reparar.
Condensamos a história num período, a da infância, por volta dos sete anos. Evocamos imagens mentais (a visão da mãe morta no parto, por exemplo), bem como memórias da personagem. Como a própria Yourcenar, que objetiva o seu nascimento nos seus escritos e nunca deixou de questionar a possibilidade da autonarrativa, colocamo-nos por vezes de fora dos eventos vivenciados (as perdas) para representá- los.
MONT-NOIR
Marguerite Yourcenar descreve as memórias de Mont Noir como uma espécie de paraíso perdido. O parque é o seu domínio, fervilhando de uma vida secreta ou noturna. É um lugar de natureza selvagem, um lugar de jogo e contemplação.
Contrasta com a austeridade estática e hostil do castelo da avó. Mas o parque de Mont Noir é também como um jardim qualquer aos olhos de uma criança: mantos macias e verdejantes para se deitar, recantos selvagens onde se aventurar, o pátio em cascalho onde se encontram adultos.
A PERDA
A história de Marguerite Yourcenar é uma história de superação e esta faceta da sua infância tocou-nos muito intimamente. A mãe morre no parto, o cão é abatido a tiro, a ama é demitida de repente. A morte, real ou simbólica, é fértil, mas ela deve viver.
O nosso imaginário está repleto de filmes em que crianças são atingida pela morte e a superam, de Ponette de Jacques Doillon a Fanny e Alexandre de Bergman. São figuras infantis que nutriram o nosso trabalho de construção da personagem.
SENSUALIDADE
Yourcenar escreveu-o: a sua relação com Barbe despertou-a para uma forma de sensualidade. É uma presença generosa, de formas arredondadas, reconfortante e perturbadora. E é um amor que ela tem de partilhar com o pai… até que o pai expulsa a Barbe porque ela está grávida dele.
Queremos, com pequenas pinceladas, trazer doçura e sensualidade ao filme. São também emoções próprias da infância.
SER AMADA
Marguerite é uma criança terrivelmente solitária, educada em casa. Michel só começa a interessar-se pela filha quando ela aprende a ler, poderá então incutir nela o amor pelas letras e pela cultura antiga. Será ele a encontrar com ela o seu nome como escritora e a oferecer-lhe a sua primeira edição de poemas. A sua relação com o pai é um dos fios da nossa história. Marguerite parece ter apenas um caminho a seguir: escrever, para ser amada pelo pai.
Mas a força do Yourcenar reside na forma como converte esta herança numa alavanca que lhe permitirá depois erguer-se sozinha. Ela não está em dívida com o pai, é por ela e para si mesma que ela faz o caminho da escrita, reparadora, mas também emancipadora. Enquanto criança, ela imita um gesto. Jovem adulta, ela pode libertar-se do molde paterno. Ela não quer apenas ser amada pelo pai, quer ser admirada por todos, aspirando a glória literária.
« Tal como Alexis, o seu personagem, diria que aspirava também à fama?» – Em criança desejei a glória, de facto.
– A glória da escritora?
– Ah, eu não sabia bem! Eu queria ser algo importante.
– O que quer dizer com isso, importante?
– Não sei… Algo que impressionasse as pessoas. Deixar-lhes uma impressão. E, além disso, eu tinha a impressão de que tinha acontecido, que aconteceria! E realmente não sei porquê. Sentia-o secretamente. »
(Conversa com Bernard Pivot, Apostrophes, 1979)