10’00” 2D animated short film by Patrícia Figueiredo
Um filme sobre o Limbo contado na primeira pessoa. No seu caderno e num tom íntimo, reflexivo e pleno de humor, a narradora faz a travessia diarística para o Limbo, em busca das suas manifestações físicas e de quem lá encalha à espera.
Não sei exactamente quando é que a palavra Limbo passou a constar do meu vocabulário. Talvez tenha sido durante uma aula, na catequese ou no colégio. Talvez a tenha ouvido numa missa. Em criança numa me questionei sobre ele, assim como não questionava outras crenças nem as imagens que lhes eram associadas.
Imaginava que o Limbo era uma creche onde algumas crianças ficavam até mais tarde, enquanto aguardavam por um lugar no Céu. Mas esta questão não me inquietava pois sendo baptizada as minhas opções eram mais vastas, o Céu se fosse boa menina, o Purgatório em caso de dúvidas ou o Inferno se não tivesse salvação.
Não me lembro bem de como eram estes lugares na minha cabeça, mas as várias personagens e símbolos cristãos povoavam o meu dia-a-dia, não havia como duvidar da sua existência.
A minha relação com estas personagens era muito real mas era também ambígua, o que gerava um misto de confiança e de receio. O Jesus pequenino nas palhas deitado que eu adorava no Natal era o mesmo Jesus adulto crucificado que eu beijava na Páscoa e cuja imagem estava suspensa sobre a minha cama. E a Nossa Senhora de ar meigo com o bebé ao colo era a mesma senhora que me aparecia em pesadelos, a seguir-me com o olhar.
Apesar de mais tarde me ter afastado da religião, o imaginário cristão continuou a fascinar-me, as suas histórias, os símbolos, os lugares. E o Limbo ficou suspenso, ressurgindo muito mais tarde, num outro contexto e em outro lugar.
Houve um momento na minha vida em que a rede que me sustentava deixou de existir e em que me senti sem chão, sem poder voltar atrás e sem saber para onde ir. E foi aí, nesse período de crise pessoal, que abri um caderno de esquissos – o meu disco externo para acautelar uma memória fraca – e desenhei-me à porta do Limbo, onde já não havia criancinhas, apenas adultos perdidos.
A vontade de representar este local foi regressando em novos desenhos e era proporcional à presença de um estado semelhante, cada vez mais acentuado, no mundo real. O limbo de amigos que não sabiam como sair das suas situações precárias, o limbo gerado pela pandemia, os refugiados, a crise climática, as sucessivas guerras e este estado de indefinição e de incerteza cada vez mais presente. Mesmo quando interpretado como um lugar de transição para algo melhor, o Limbo é sempre aquele lugar por onde se prefere não passar.
Nesses cadernos, para além dos desenhos, fui registando uma e outra vez significados que encontrava para o LIMBO. À fase embrionária da inquietação, sucedeu-se uma procura mais obsessiva, passando por compêndios, auscultando pessoas que me ajudassem a significar esse lugar.
O que é o Limbo? Onde fica? Quem lá vive? Como se sai de lá? É lá que ficam esquecidos os objectos perdidos e não achados? Será um lugar onde se está sozinho, ou como na pintura “Cristo no Limbo”, de Hieronymus Bosch, um lugar apinhado de gente? Será mais Céu ou mais Inferno?
A estas perguntas outras se juntarão, sendo um ponto de partida para uma pesquisa, o mote para conversas, entrevistas, divagações e até delírios acerca do Limbo e as suas ramificações, às quais se associam inquietações sobre a vida e sobre a morte, o esquecimento, os não-lugares, à espera de quê?
Pretendo transformar este conjunto de apontamentos visuais e reflexões num percurso cinemático sobre a minha percepção do limbo, desde a sua ideia menina, na qual estaria salvaguardada deste lugar através do baptismo, passando por um confronto nestes muros-limbos da entrada para a idade adulta, até à sua ideia mais difusa, consubstanciada pela pesquisa quase obsessiva dos vários significados e usos do termo, quer em termos literários e históricos e na sua vertente popular.
Todo este percurso, de ritmo ascendente, culminará no regresso a mim e ao que poderei encontrar no final dessa viagem através do Limbo. Talvez uma resposta às questões que tinha colocado, ou uma nova pergunta – porquê o Limbo?
Memorando descritivo das técnicas
Visualmente o filme constituir-se-á sobre três elementos: o(s) caderno(s), a animação e a imagem real, e fotografia.
É na relação simbiótica entre os três que se desenrolará a narrativa. A captação do mundo exterior (visual e sonoro, decorrente das conversas/entrevistas) – e um texto mais será o ponto de partida para a narrativa visual no caderno, que por sua vez entrará num mundo gráfico de ideias e reflexões.
A animação permite às ideias ganharem ritmo e movimento, entrarem em conflito ou prosseguirem desenfreadamente pelas páginas seguintes. Permite também às imagens sair do caderno e saltar para o mundo exterior, se assim a borda da página deixar, pois também ela pode ser o limbo entre dois mundos…
Tecnicamente, o filme dividir-se-á entre a animação 2D (fazendo uso do desenho e da colagem), a imagem real (situando o caderno num lugar específico quando assim a narrativa o pedir) e a animação de objectos, como por exemplo o manuseio do caderno e das suas folhas.
Experimentação plástica no/a partir do caderno-objecto, desde a pesquisa da linguagem gráfica à interacção entre o desenho e o caderno. Por exemplo, os retrocessos no raciocínio que se podem traduzir em desenhos que se apagam, tentam esconder-se com colagens, se rasgam, etc. Gravação de imagem real e testes de interacção entre o caderno e a imagem real, em conjunção com a animação 2D e animação de objectos.
Budget: 000.000,00 €
Secured financing: 000.000,00 €